quinta-feira, 21 de março de 2013

Eustáquio Ferreiredo


Eu, que há anos ando por estas bandas, nunca vi tamanha desconcertância em um assunto tão simples. Veja que Eustáquio, chefe de gabinete do prefeito, se meteu numa fria por causa do chefe. Um fiscal do governo chegou uns dias pra trás querendo ver uns documentos do Sr. prefeito, mas o prefeito não se encontrava, sobrando o enrosco pro coitado do Eustáquio.
Acontece que os documentos eram importantes para assegurar a verba pra construção dum estádio de futebol – Construção que garantiria mais quatro anos de mandato. A primeira coisa que o Eustáquio pensou foi entrar no gabinete e ligar pro chefe.
-- Bom, seu fiscal, eu vou dá uma ligadinha pro prefeito e conferir os documentos.
-- Tá certo, senhor. Mas me diga, onde se encontra o Sr. Prefeito?
-- É... Ele ‘tá numa viagem de negócios, se me recordo, em São Paulo. Com licença – Continuou entrando no gabinete. Pegou o telefone e começou – Alô, Vera! Me liga com o quarto do prefeito, lá em Guarapari.
-- Hotel Boa Vista, Flaviana, Boa Tarde!
-- Alô, aqui é o Eustáquio Ferreiredo, do gabinete de São José do Sul, e eu queria falar com o prefeito no quarto 526!
-- Olha, seu Elázio, ninguém atende no quarto. Mas o senhor queria o que? Numa tarde ensolarada e quente como essa, o senhor acha que alguém ficaria no quarto. Ainda mais o coroa do 526, fique sabendo de... – Sem deixar a moça finalizar, Eustáquio desligou o telefone, aflito e preocupado em achar os documentos para o fiscal.
Depois de revirar o gabinete, sem sucesso, o pobre chefe de gabinete volta ao saguão de espera da prefeitura. O fiscal, antes absorto em conversa com dona Ana Bólita, a secretária, agora se vira para Eustáquio, já com uma caneta nas mãos.
-- Eu... Meu... Seu fiscal, eu não pude falar com o senhor prefeito, ele estava numa reunião importante em Belo Horizonte.
-- Mas ele não estava em São Paulo? – retrucou rapidamente o fiscal.
-- É, mas... Teve que pegar um vôo direto a Belo Horizonte, pra tratar de uns assuntos – replicou mais rápido ainda o chefe de gabinete – Mas, sua assistente pessoal, Glória, me disse que os documentos estão lá com eles e que o senhor pode passar aqui na quinta da semana que vem que tudo vai ‘tá certinho pro senhor vistoriar!
-- Pois bem, seu Eustáquio, o prazo vence hoje, e se os documentos não estão aqui, eu vou ter que cancelar a verba pro novo estádio de futebol.
-- Não! Não faça isso, seu fiscal. Dá um jeitinho nesse prazo pra gente! Se não a eleição... Digo... A população vai ficar sem estádio... – Com este escorregão, Eustáquio ficou mais nervoso e vermelho do que já estava e soltou uma leve gagueira.
-- Então, o senhor e o seu prefeito só pensam em faturar a eleição do mês que vem! Meu caro, aqui acaba minha visita nessa prefeitura! Passe...
-- NÃO! PELO AMOR DE DEUS, SEU MOÇO! O se-senhor tem que aprova-var a verba, o pre-prefeito vai me ma-matar! Eu... Eleição... Verba... tic-tic-tic... – E com esse ruído, Eustáquio foi ao chão, babando e grunhindo feito um louco. O fiscal, com pena do coitado deu mais uma chance, afinal.

Na quarta-feira, o prefeito entrava pelo saguão já perguntando sobre Eustáquio. O porquê dele ter ligado pro prefeito num descanso.
-- Era sobre a verba do estádio! O fiscal veio aqui na sexta passada – Respondeu a secretária Ana Bólita.
-- Deu tudo certo, né?
-- Mais ou menos, seu prefeito.
-- Mas, e...?
-- O fiscal disse que virá amanhã ver os papéis com o senhor. E eu já providenciei estes papéis. Mas ele fez isso por pena do Eustáquio.
-- O que aconteceu com ele, dona Ana?
-- Depois de tanta pressão pra enrolar o fiscal, o pobrezinho caiu no chão babando. Teve que sair daqui de ambulância. Pelo que eu sei tá internado no asilo de loucos, mas não melhorou quase nada desde sexta.
-- Mas, então o estádio foi aprovado!
-- Ahmm... Foi sim.
-- Perfeito, dona Ana, perfeito!


Texto de Bernardo Fontaniello.

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